7 de março de 2018

Viagem por Maruim - Conflitos na história do Gabinete de Leitura de Maruim | Por Hefraim Andrade

“Ola”, pessoal! A partir de hoje estarei publicando semanalmente algumas crônicas as quais resolvi intitular de “Viagens por Maruim”, nelas abordarei coisas que sei, que vi e ouvi falar, - Histórias peculiares de nossa cidade contadas sob uma nova perspectiva, d’um modo descontraído e cômico e também formal; a final, a vida tem dessas coisas! (Rsrs) espero que apreciem!

DOM 13:59 


O Gabinete foi e é uma Luz, e como toda a Luz dissipa as sombras, seus habitantes e amantes talvez o odiassem no passado.

A Luz a que me refiro é o Conhecimento e a Sabedoria -, atributos que o Gabinete de Leitura de Maruim fundado em 19 de agosto 1877 possuía, incorporados em diversas formas e inclusive em um símbolo seu[1]. Em contra partida a ignorância, a tirania e a intolerância (as sombras), são consequências da ausência desta Luz, que raiou numa terra cercada por manguezais e que cresceu e frutificou estendendo seus ramos até a Europa, atraindo para si prosperidades financeiras e intelectuais. 

Como disse a princípio, a Luz dissipa as sombras e isso não é um processo fácil para aqueles que nela habitam, pois seriam capazes de lutar até a morte para continuar na escuridão, uma vez que a Luz lhes é danosa, pois não estão acostumados com ela! Há também aqueles cujas sombras lhes são convenientes! - Estes são aqueles que usam da ignorância e simplicidade das massas para seus  particulares e as vezes sórdidos interesses!

Há um tempo passei a especular dentro de mim: Quantos problemas devem ter surgido com a criação do Templo de Luz[2] -, que era outo nome para o Gabinete, dado por Joel Aguiar. Eu tentava compreender com o auxílio da história que impactos teriam causado em Maruim no contexto sociopolítico da segunda metade do século XIX  numa pequena e apartada cidade nordestina que, como outros exemplos, tendia a ser extremamente influenciada pela Igreja e pelo Velho Regime de latifundiários escravagistas que não estavam dispostos a perder seus status e privilégios.




Não que tenha tido um impacto tão absurdo, mas as ideias “francesas” que outrora derrubaram o Absolutismo francês no final do século XVIII, ou mesmo o Iluminismo que valorizava a razão, não eram ideias bem vistas por uma parte da sociedade maruinense da época, por conta das fortes influências católicas que tivemos desde o processo colonial, tanto sergipano como brasileiro, influências que nos afetaram e marcaram profundamente, das quais ainda temos forte herança! - É por isso que ouso dizer que se os portugueses, ou mesmo Roma não tiveram tolerância para com os índios, que eram os habitantes originais da terra, ou mesmo para com os judeus que aqui se refugiaram, antes perseguindo-os e massacrando-os, teriam tolerância com um ambiente frequentado por muitos maçons e Liberais? – Obviamente que não! E principalmente se levarmos em conta a Questão Religiosa de 1864 (vejam a Contribuição Maçônica em Maruim Parte II nos arquivos do meu blog). - O mesmo ocorre com os Conservadores em seu conflito contra os Liberais. - Há registros deste conflito  aqui em Maruim[3]! - Um exemplo claro foi o caso de Manoel Teles Nogueira Cravo[4], que foi ex-chefe da redação da Revista Literária do Gabinete, transferido de Maruim para trabalhar em Laranjeiras por conta de perseguição. Acerca disto seguem-se os seguintes relatos:

“Ao discursar sobre moral e justiça, Cravo demonstrou algum tipo de ressentimento porque as autoridades tentaram afastá-lo do convívio do GLM e da sua Revista.”

“Cravo, na posição de um Liberal, defendia os ensinamentos não apenas sobre a égide do catolicismo, mas também de uma educação religiosa (qualquer que fosse ela) para a vida do cidadão”. 

(CRUZ E SILVA, Maria Lucia Marques. Revista Literária do Gabinete de Leitura de Maroim (1890-1891): subsídios para a história dos impressos em Sergipe. São Cristóvão. 2006. Página 167).

Esta última abordagem é típica dos ideais maçônicos que presam pela na liberdade de culto, o que evidencia que o próprio poderia estar inserto numa loja. Há também como prova das insatisfações para com o Gabinete o relato no discurso de Joel Aguiar em 1927:

“Em 1877, nasceu à ideia de se fundar aqui uma biblioteca e em agosto desse ano ela se realizou. Estais a pensar que se fundou o Gabinete de Leitura entre sorrisos de contentamento?” (...). (AGUIAR, Joel. TRAÇOS DA HISTÓRIA DE MARUIM. 2004. Pág. 132).

Se analisarmos direito,  podemos chegar à conclusão de que o que realmente aconteceu foi motivado pelo medo de um ou mais grupos de perderem seus privilégios. Reagiram arbitrariamente frente ao que consideraram ser uma ameaça; ameaça que os Conservadores e fanáticos católicos da época interpretaram como Liberalismo, movimentos republicanos e “abominação a santa fé”, o que não deixou, em sua natureza, de ser um conflito!

Sobre a natureza do Conflito ele é uma profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes, um choque entre elas, mas em que o conhecimento fere alguém?! Deduz-se que se alguém se opõe ao esclarecimento de uma população é porque teme perder o apoio desta ou porque teme que, havendo uma população esclarecida, um sistema ou uma alienação seja extinta, o que acarretaria na perda de muitos privilégios! Será que este foi motivo pelo qual o Barão de Maruim, um Conservador e grande latifundiário, não apoiou a Sociedade Literária que viria a se tornar o Gabinete de Leitura?! - Sabe-se que não quis assinar a sua ata de fundação[5], e como era representante do regime monárquico e fiel católico -, o que significava que estava debaixo dos ditames da Bula Syllabus[6], jamais pisaria no Gabinete de Leitura!

Uma coisa interessante de se saber é que mesmo que quisessem impedir o progresso intelectual, este jamais poderia ser interrompido aqui em Maruim,  porquanto era um importante centro comercial na época, além de que, com a presença de muitos estrangeiros de diferentes nacionalidades, isso seria uma tarefa muito difícil inda mais se levarmos em conta o fato de ter havido aqui cerca de sete consulados -, o que ligava de certa forma Maruim como o mundo, e tentar interromper esse progresso seria o mesmo que dar socos ou golpes em pontas de facas!

Nos dias atuas os antigos Centros ou Polos difusores de conhecimento perderam muito espaço com o advento de inúmeras tecnologias, sendo a maior delas a Internet, - meio que liga o homem com o mundo de maneira absurda, o que fez com que espaços como o Gabinete de Leitura de Maruim, representante de um período revolucionário, não pudesse causar mais o mesmo impacto que causara noutro tempo. Porém, isto não significa que não tenhamos mais em nossa sociedade local problemas com a ignorância, intolerância, tirania, etc. Que são as “trevas” deste século; faz-se necessário que estes espaços além de figurarem como acervos históricos ou mesmo como museus, desenvolvam seu papel de ofertar a comunidade o esclarecimento, assim como à difusão do Conhecimento, estimulando a contemplação do Saber das melhores formas possíveis. 

Em fim, quero finalizar este texto sobre conflito dizendo  -"Lux!", palavra do latim, que significa“luz”. da raiz indo-europeia "leuk"- brilho.


| Hefraim V. Andrade nasceu em em Aracaju em 1991, membro duma família oriunda da cidade de Riachuelo - SE e de origem judaico-sefardí, que mudara-se para Maruim nos anos 70. É ativista em defesa de Israel e dos Direitos Humanos Universais. Ocupa a cadeira de número dois da Academia Maruinense de Letras e Artes - AMLA. Também Faz parte do Cumbuka Coletivo Cultural, - Grupo apartidário que vem promovendo eventos socioculturas  e de incentivo à sustentabilidade no Município.  Quanto a sua vida na escrita, ela começa na sua infância e passa por sua adolescência e juventude, quando fez parte de eventos de caráter poético e estende-se até os dias atuas indo da sátira ao que se pode entender, por ele mesmo por "formal". | 



Hefraim Andrade (Foto: Arquivo pessoal)



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