19 de junho de 2018

Viagens por Maruim - Os velhos bares e botecos - Parte IV | Por Hefraim Andrade

SEU AMIGÃO


Seu Amigão | Foto: cedida por sua filha 

 -“Seu Amigão, tem aquelas boinhas?!” - Dizia-lhe isso sempre que entrava no seu bar, com mais ou menos quatro anos de idade. - Como ficava contente em receber de sua mão algo tão simples! (Ah…! Separava-as sempre que podia para mim!) Porém, seria mesmo somente pelas pequeninas esferas que entrava ali?! Seria só isso mesmo que buscava?! -Sem dúvida que não era somente isso! No fundo, acho que aquilo que buscava era muito mais etéreo do que uma pelotinha que fazia parte do dosador de alguma garrafa. Talvez fosse procurar ver um sorriso, ou quem sabe algo a mais que possuía, haja vista o poder que tinha de cativar a todos e inclusive às crianças como eu num tempo e num Brasil muito diferentes dos quais somos obrigados a viver! E mesmo num período “tão satisfatório” no qual vivemos, com acesso a notebooks, internet, festas, muitos amigos, colegas, conhecidos, etc., quase sempre flagro-me desejando rever esse Amigo, que embora seja impossível no mundo físico, faz-se possível em cenas congeladas na minha memória!

Bem, pessoal, antes de tudo, cabe explicar, aqui, qual era a utilidade do objeto buscado por mim em seu estabelecimento. A final, -“para que diabos, ele (eu, no caso) haveria de querer a bolinha do dosador, presente nalgumas botelhas de cachaça?!” -Talvez a explicação que tenha para ofertar não seja lá das mais satisfatórias, pois não é outra se não: - “Eu apenas gostava delas!” - Deixando bem claro que essa não é uma prática tão incomum, e que se observarmos atentamente, perceberemos que muitas crianças costumam encontrar divertimento, e até mesmo satisfação, em objetos que a maioria de nós despreza. Isto é certo! Então, para encurtar, elas eram do meu agrado e pronto! Não cabe aqui mais explicações. Interessante que o Bom Amigo nunca questionou o meu desejo diferenciado, por mais esquisito ou excêntrico que aparentasse.

Bolinha extraída do dosador | Acervo Hefraim Andrade 

 Mas, por que Amigão? Donde veio este nome? - Com certeza sei que alguns dos meus leitores, direi mais, os mais detalhistas dentre eles, já devam, a esta altura, ter manifestado o interesse em sabê-lo; o que, para mim, que pude conhecê-lo, não é difícil de entender. Sua filha relatara-me:

“Deixou uma história na cidade de Maruim porque foi muito querido e amigo. O codinome Amigão surgiu em Maruim”. 

Amigão”, segundo nome de José Pereira de Medeiros (nome que acabaria não pegando no círculo popular), nascera no município de Jardim do Seridó, no Rio Grande do Norte, em 25 de março de 1944. Seu bar era simples e ficava no complexo do Mercado e antecedera o sr. Jaime no espaço e tal como este, foi um dos muitos negociantes do ramo de bebidas, que destacou-se pelas boas reações que mantinha. -Não canso-me de enfatizar, cá nesta série de publicações, de modo direto e indireto, que os antigos donos de bar, aqui em Maruim, atuaram (alguns ainda atuam) muito mais além do que a profissão pedia-lhes. Estes, envolviam-se e até participam da vida particular de seus clientes ou conhecidos. Conheço, inclusive, um caso em que um dos donos de botequim locais, foi padrinho de batismo do filho de um de seus clientes. E no que tangia a Seu Amigão, essa participação pode ser mui bem expressa nas palavras de sua Filha. Continuou:

“O velório dele foi emocionante. Ocorreu algo bem interessante. O coveiro chorava aos prantos dizendo que o ‘pai’ dele tinha morrido (se referindo ao meu pai) dizendo que o próximo seria ele, porque meu pai matava a sua fome. Nem sabíamos que meu pai o ajudava. Todos Choraram.”. 

Casa onde Amigão morou e ainda pertence à sua família | Foto: Acervo Hefraim Andrade 

O potiguar, jardinense e também maruinense, repousou em 07 de novembro de 1996, na cidade de Aracaju. Realmente o seu falecimento, foi muito sentido, até porque só se chora por algo ou por alguém que teve muita importância! Pela cidade, quando pergunto sobre ele ou quando cito o seu nome, muitos ainda recordam-se, respondendo-me: “Lembro!” “Seu bar era ali!”! Vinte e dois anos passaram-se desde seu falecimento e sua memória ainda não deixou este lugar. Como disse no início do texto, flagro-me pensando nele, vendo-o pôr suas mãos nos copos, garrafas e organizando tudo.

- Até a próxima.

Agradeço aqui, de modo especial, a sua filha Josenilda Medeiros, amiga de minha família, que contribuiu muito para a composição desta Viagem. 

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| Hefraim V. Andrade nasceu em Aracaju em 1991, membro duma família oriunda da cidade de Riachuelo - SE e de origem judaico-sefardí, que mudara-se para Maruim nos anos 70. É ativista em defesa de Israel e dos Direitos Humanos Universais. Ocupa a cadeira de número dois da Academia Maruinense de Letras e Artes - AMLA. Também Faz parte do Cumbuka Coletivo Cultural, - Grupo apartidário que vem promovendo eventos socioculturas  e de incentivo à sustentabilidade no Município.  Quanto a sua vida na escrita, ela começa na sua infância e passa por sua adolescência e juventude, quando fez parte de eventos de caráter poético e estende-se até os dias atuas indo da sátira ao que se pode entender, por ele mesmo por "formal". |






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