15 de agosto de 2018

Por de trás do Espelho | Por Hefraim Andrade

Boa noite, leitores. Não é com alegria que falarei do aniversário do Gabinete de Leitura de Maruim, que no próximo domingo, completará 141 anos. Apesar de ter uma história incrível, de ter resistido (o seu acervo) às ações dos homens e de ainda ser mencionado e valorizado por muitos, inclusive por mim mesmo, se (eu) ousasse cantá-lo ou louvá-lo, em seu estado atual, através da minha poesia, penso que estaria, sem dúvida, desrespeitando aquilo no que acredito. Sem embargo, foi por esse motivo, que empreendi escrever o meu lamento, no ano de 2017:


Não falarei de beleza não havendo beleza.
Nem falarei de certeza quando o que há é incerteza.
Não aceito verdades quando o que nos cerca são inverdades

E nem aceitarei que o prédio leve “cores” quando o fato
É que as coisas não são flores.

Apenas aceitarei a realidade, que deveria ser irrealidade:
A de que nossos risos, já incolores,
Esboçam inúmeras dores

Pelo estado do Gabinete de Leitura;
Pelo câncer que o invade!1


Sou frequentador do espaço do Gabinete de Leitura desde a minha infância, adolescência e juventude; desde sempre fui assíduo e presente ali. Também sou bom observador e de igual modo apto para relatar-vos seu atual estado, e digo para cada um de vocês, que acompanham-me aqui e que, às vezes, prestam atenção a cada linha por mim escrita, que aquele Gabinete do século XIX, o qual vossos professores pedem para que pesquisem e o seu esplendor, foram reduzidos a um acervo de livros, dentro de condições inapropriadas e a uma pequenina luz, que agonizando, suplica para sobreviver. Aquela Sociedade Literária tão amada pelo ilustre escritor Joel Macieira Aguiar, de quem lemos incríveis relatos e elogios, não reflete-nos mais seus nobres princípios iniciais. 

Foto | Acervo Hefraim Andrade 

A maioria de nós sabe bem que o verbo refletir, foi consagrado e associado ao substantivo espelho, tal como Romeu é a Julieta, não é? Espelho também é chamado de mirror, na língua inglesa e refletir-se… refletir-se… e refletir-se no espelho é um normal e às vezes, compulsório costume, que se não for devidamente tratado, pode levar, quem sabe, alguém ao mal do espelho de Ojesed, do Bestseller Harry Potter de J.K. Rowling, onde vemos o nosso querido mago Dambledore dizer ao infante Harry:


<<Porém, o espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houve homens que definharam diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível [...] Peço que não volte a procurá-lo. Não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver [...]>>2


Paralelamente, a comunidade judaica, nos seus ritos fúnebres, procura ao máximo enfatizar interna e externamente seu luto, e isto pode ser notado quando o enlutado rasga uma parte de suas vestes, traja-se de negro, desgrenha o cabelo e cobre os espelhos de sua casa. A morte de um familiar leva um judeu a um estado muito introspectivo e meditativo. - Os judeus cobrem o espelho para não pensar apenas em si mesmos - Os nossos sábios dizem que o espelho é feito com prata e que uma camada desta é posta sobre a superfície do vidro, até que se obtenha seu estado final. Todavia, se olharmos para um espelho, não veremos nada mais além de nós mesmos, porém, ao retirarmos a prata, veremos aquilo que está atrás.

Desde que conheço-me por gente que sei que o Gabinete de Leitura de Maruim é uma instituição sofredora e que sofreu durante e depois de sua fundação e inauguração. Relatou-nos Joel Aguiar:


<<Em 1877, nasceu à ideia de se fundar aqui uma biblioteca e em agosto desse ano ela se realizou. Estais a pensar que se fundou o Gabinete de Leitura entre sorrisos
de contentamento? (…).>>3

Também, a escritora Maria Lúcia Marques Cruz e Silva, em seu trabalho sobre a Revista Literária (1890-1891), descreve a perseguição vivida por um de seus redatores, Nogueira Cravo:

<<Ao discursar sobre moral e justiça, Cravo demonstrou algum tipo de ressentimento porque as autoridades tentaram afastá-lo do convívio do GLM (Gabinete de Leitura de Maruim) e da sua Revista.>>.4

Na contemporaneidade, sofreu com o advento da discoteca HI-FI, entre os anos 70 e 90; nos anos 2.000, com o período em que sediou a Caixa Econômica Federal, culminando com o estabelecimento de um costume indizível e absurdo – Com permissão do poder público, eram velados corpos em seu interior, problemática sanada após muitas manifestações e protestos, onde destaca-se um comentário de indignação e repúdio vindo de El Salvador, na América Central, redigido por um amigo que teve acesso ao caso. 

Foto | Acervo Hefraim Andrade

Infelizmente, o nosso velho Gabinete ainda está a sofrer. E isso começa com a insegurança: Não há um guarda municipal no prédio. E pela ausência deste, já aconteceu que, enquanto estava lá, um homem embriagado e fora de si, adentrou em seu salão e perturbou ordem. Suas cadeiras e mesas deixam a desejar; são antigas e precárias. No acervo, livros e prateleiras seculares perecem pela falta de cuidados devidos. Ainda lá, existem duas partes do forro (de isopor) desfalcadas. A porta que lacra o porão está com furos por conta da ação de cupins. No lado externo, onde ficam os banheiros, a peça que sustenta a caixa d’água, de igual modo, foi alvo de cupins (um perigo?), assim como uma das portas abaixo. 

Foto | Acervo Hefraim Andrade

A situação é verdadeira e também não há como furtar-se às perguntas: Qual a justificativa para estarmos com uma Biblioteca de 1877, tão indizivelmente importante e famosa, dentro e fora de Sergipe, nessas condições? Será que o governo municipal não tem dinheiro para tal? Nesta deixa, deixo claro que não estou acusando ninguém, mas perguntando somente. Muitos devem estar perguntando-se, também, enquanto leem: Será que é para isso que pago os meus tantos impostos, para ver o patrimônio público definhar e deteriorar? Estou a imaginar, aqui, em minha cadeira, sobre quantos, agora, estão sentindo em seu âmago algo que mistura tristeza, raiva e insatisfação!...

Foto | Acervo Hefraim Andrade 

Cada um fale por si mas não comemorarei o aniversário de 141 anos do GLM. Pois não tenho o que comemorar. Apenas recordarei do dia 19 de agosto em meu interior. Sou muito criterioso no que faço e somente daria palmas se ele estivesse formoso e novamente radiante; reverberando. 

Para concluir. Não deixemos de lembrar do dia 19 em nossas mentes e convertamos nossas indignações em força para lutarmos em prol desta e de muitas outras causas nobres. Não percarmos nosso precioso tempo frente a um grande espelho que não mostra nada além de nós mesmos. Lembremos, meus contemporâneos, que do outro lado dele, há locais, pessoas, animais; lindas coisas de se ver!

- Até a próxima. 

Foto: Acervo Hefraim Andrade


Foto: Acervo Hefraim Andrade

Foto | Acervo Hefraim Andrade

Foto | Acervo Hefraim Andrade 

 Fontes Bibliográficas:

1ANDRADE, Hefraim Viera. Gabinete de Leitura: poesias não convencionais. Hefraim Vieira – Aracaju: Editora Brasil Casual, 2017. p.27

2 ROWLING, 2.000, p. 184-185

3 AGUIAR, Joel. TRAÇOS DA HISTÓRIA DE MARUIM. 2004. Pág. 132

SILVA, Maria Lucia Marques Cruz. Revista Literária do Gabinete de Leitura de Maroim (1890-1891): subsídios para a história dos impressos em Sergipe. São Cristóvão. 2006. Página 167.

Foto | Arquivo Pessoal 
| Hefraim Andrade nasceu em Aracaju em 1991, membro duma família oriunda da cidade de Riachuelo - SE e de origem judaico-sefardí, que mudara-se para Maruim nos anos 70. É ativista em defesa de Israel e dos Direitos Humanos Universais. Ocupa a cadeira de número dois da Academia Maruinense de Letras e Artes - AMLA. Também Faz parte do Cumbuka Coletivo Cultural, - Grupo apartidário que vem promovendo eventos socioculturas  e de incentivo à sustentabilidade no município.  Quanto a sua vida na escrita, ela começa na sua infância e passa por sua adolescência e juventude, quando fez parte de eventos de caráter poético e estende-se até os dias atuas indo da sátira ao que se pode entender, por ele mesmo por "formal". | 


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