Boa noite, leitores. Não é com alegria que falarei do
aniversário do Gabinete de Leitura de Maruim, que no próximo domingo,
completará 141 anos. Apesar de ter uma história incrível, de ter resistido (o
seu acervo) às ações dos homens e de ainda ser mencionado e valorizado por
muitos, inclusive por mim mesmo, se (eu) ousasse cantá-lo ou louvá-lo, em seu
estado atual, através da minha poesia, penso que estaria, sem dúvida,
desrespeitando aquilo no que acredito. Sem embargo, foi por esse motivo, que
empreendi escrever o meu lamento, no ano de 2017:
Não falarei de
beleza não havendo beleza.
Nem falarei de
certeza quando o que há é incerteza.
Não aceito
verdades quando o que nos cerca são inverdades
E nem aceitarei
que o prédio leve “cores” quando o fato
É que as coisas
não são flores.
Apenas aceitarei a
realidade, que deveria ser irrealidade:
A de que nossos
risos, já incolores,
Esboçam inúmeras
dores
Pelo estado do
Gabinete de Leitura;
Pelo câncer que o
invade!1
Sou frequentador do espaço do Gabinete de Leitura desde a
minha infância, adolescência e juventude; desde sempre fui assíduo e presente
ali. Também sou bom observador e de igual modo apto para relatar-vos seu atual
estado, e digo para cada um de vocês, que acompanham-me aqui e que, às vezes,
prestam atenção a cada linha por mim escrita, que aquele Gabinete do século
XIX, o qual vossos professores pedem para que pesquisem e o seu esplendor,
foram reduzidos a um acervo de livros, dentro de condições inapropriadas e a
uma pequenina luz, que agonizando, suplica para sobreviver. Aquela Sociedade
Literária tão amada pelo ilustre escritor Joel Macieira Aguiar, de quem lemos
incríveis relatos e elogios, não reflete-nos mais seus nobres princípios
iniciais.
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
A maioria de nós sabe bem que o verbo refletir, foi
consagrado e associado ao substantivo espelho, tal como Romeu é a
Julieta, não é? Espelho também é chamado de mirror, na língua inglesa e
refletir-se… refletir-se… e refletir-se no espelho é um normal e às vezes,
compulsório costume, que se não for devidamente tratado, pode levar, quem sabe,
alguém ao mal do espelho de Ojesed, do Bestseller Harry Potter de
J.K. Rowling, onde vemos o nosso querido mago Dambledore dizer ao infante
Harry:
<<Porém,
o espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houve homens que
definharam diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber
se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível [...] Peço que não
volte a procurá-lo. Não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver
[...]>>2
Paralelamente, a comunidade judaica, nos seus ritos
fúnebres, procura ao máximo enfatizar interna e externamente seu luto, e isto
pode ser notado quando o enlutado rasga uma parte de suas vestes, traja-se de
negro, desgrenha o cabelo e cobre os espelhos de sua casa. A morte de um
familiar leva um judeu a um estado muito introspectivo e meditativo. - Os
judeus cobrem o espelho para não pensar apenas em si mesmos - Os nossos sábios
dizem que o espelho é feito com prata e que uma camada desta é posta sobre a
superfície do vidro, até que se obtenha seu estado final. Todavia, se olharmos
para um espelho, não veremos nada mais além de nós mesmos, porém, ao retirarmos
a prata, veremos aquilo que está atrás.
Desde que conheço-me por gente que sei que o Gabinete de
Leitura de Maruim é uma instituição sofredora e que sofreu durante e depois de
sua fundação e inauguração. Relatou-nos Joel Aguiar:
<<Em 1877, nasceu à ideia de se fundar
aqui uma biblioteca e em agosto desse ano ela se realizou. Estais a pensar que
se fundou o Gabinete de Leitura entre sorrisos
de contentamento? (…).>>3
Também, a escritora Maria Lúcia
Marques Cruz e Silva, em seu trabalho sobre a Revista Literária (1890-1891),
descreve a perseguição vivida por um de seus redatores, Nogueira Cravo:
<<Ao discursar sobre moral e justiça,
Cravo demonstrou algum tipo de ressentimento porque as autoridades tentaram
afastá-lo do convívio do GLM (Gabinete
de Leitura de Maruim) e da sua
Revista.>>.4
Na contemporaneidade, sofreu com o
advento da discoteca HI-FI, entre os anos 70 e 90; nos anos 2.000, com o
período em que sediou a Caixa Econômica Federal, culminando com o
estabelecimento de um costume indizível e absurdo – Com permissão do poder
público, eram velados corpos em seu interior, problemática sanada após muitas
manifestações e protestos, onde destaca-se um comentário de indignação e
repúdio vindo de El Salvador, na América Central, redigido por um amigo que
teve acesso ao caso.
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
Infelizmente, o nosso velho
Gabinete ainda está a sofrer. E isso começa com a insegurança: Não há um guarda
municipal no prédio. E pela ausência deste, já aconteceu que, enquanto estava
lá, um homem embriagado e fora de si, adentrou em seu salão e perturbou ordem.
Suas cadeiras e mesas deixam a desejar; são antigas e precárias. No acervo,
livros e prateleiras seculares perecem pela falta de cuidados devidos. Ainda
lá, existem duas partes do forro (de isopor) desfalcadas. A porta que lacra o
porão está com furos por conta da ação de cupins. No lado externo, onde ficam
os banheiros, a peça que sustenta a caixa d’água, de igual modo, foi alvo de
cupins (um perigo?), assim como uma das portas abaixo.
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
A situação é verdadeira e também não
há como furtar-se às perguntas: Qual a justificativa para estarmos com uma
Biblioteca de 1877, tão indizivelmente importante e famosa, dentro e fora de
Sergipe, nessas condições? Será que o governo municipal não tem dinheiro para
tal? Nesta deixa, deixo claro que não estou acusando ninguém, mas perguntando
somente. Muitos devem estar perguntando-se, também, enquanto leem: Será que é
para isso que pago os meus tantos impostos, para ver o patrimônio público
definhar e deteriorar? Estou a imaginar, aqui, em minha cadeira, sobre quantos,
agora, estão sentindo em seu âmago algo que mistura tristeza, raiva e
insatisfação!...
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
Cada um fale por si mas não
comemorarei o aniversário de 141 anos do GLM. Pois não tenho o que
comemorar. Apenas recordarei do dia 19 de agosto em meu interior. Sou muito
criterioso no que faço e somente daria palmas se ele estivesse formoso e
novamente radiante; reverberando.
Para concluir. Não deixemos de
lembrar do dia 19 em nossas mentes e convertamos nossas indignações em força
para lutarmos em prol desta e de muitas outras causas nobres. Não percarmos
nosso precioso tempo frente a um grande espelho que não mostra nada além de nós
mesmos. Lembremos, meus contemporâneos, que do outro lado dele, há locais,
pessoas, animais; lindas coisas de se ver!
- Até a próxima.
Foto: Acervo Hefraim Andrade |
Foto: Acervo Hefraim Andrade |
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
Foto | Acervo Hefraim Andrade |
Fontes Bibliográficas:
1ANDRADE, Hefraim Viera. Gabinete de
Leitura: poesias não convencionais. Hefraim Vieira – Aracaju: Editora Brasil
Casual, 2017. p.27
2 ROWLING, 2.000, p. 184-185
3 AGUIAR, Joel. TRAÇOS
DA HISTÓRIA DE MARUIM. 2004. Pág. 132
4 SILVA, Maria Lucia Marques Cruz. Revista Literária do Gabinete
de Leitura de Maroim (1890-1891): subsídios para a história dos impressos em
Sergipe. São Cristóvão. 2006. Página 167.
Foto | Arquivo Pessoal |
| Hefraim Andrade nasceu em Aracaju em 1991, membro duma família oriunda da cidade de Riachuelo - SE e de origem judaico-sefardí, que mudara-se para Maruim nos anos 70. É ativista em defesa de Israel e dos Direitos Humanos Universais. Ocupa a cadeira de número dois da Academia Maruinense de Letras e Artes - AMLA. Também Faz parte do Cumbuka Coletivo Cultural, - Grupo apartidário que vem promovendo eventos socioculturas e de incentivo à sustentabilidade no município. Quanto a sua vida na escrita, ela começa na sua infância e passa por sua adolescência e juventude, quando fez parte de eventos de caráter poético e estende-se até os dias atuas indo da sátira ao que se pode entender, por ele mesmo por "formal". |
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